Majestade,
Senhoras e Senhores Chefes de Estado e de Governo,
Senhor Presidente do Governo da Espanha
Senhores Vice-presidentes e Ministros de Relações Exteriores,
Senhores representantes de Países Observadores,
Senhores Secretários Generais de Organismos Internacionais e Convidados Especiais,
Senhoras e Senhores,
Quero dar-vos as minhas mais cordiais boas-vindas a esta XXII Cimeira Ibero-americana, e dirigir uma saudação muito especial a Sua Majestade, ao Presidente do Governo espanhol e a toda a sua equipe pela excelente preparação e trabalho que dedicaram a esta Cimeira, e ao conjunto de encontros, fóruns e reuniões que se celebraram ao longo do ano.
As minhas cordiais saudações também aos Chefes de Estado aqui presentes e aos seus representantes, por prestigiarem com a sua assistência este encontro.
E um reconhecimento agradecido à cidade de Cádiz, que tanto contribuiu para nos preparar esta acolhedora recepção.
Cádiz, cidade que Pérez Galdós definiu como “um navio ancorado à vista de terra”, cidade que a partir das suas torres e miradouros viu chegar os barcos do comércio e as velas da liberdade. Onde, apesar dos rigores da guerra e do assédio, floresceram as opiniões, os cafés, os jornais e as ideias.
Estar em Cádiz é estar na Ibero-América do outro lado do mar que nos une.
Cádiz é também solidariedade e esperança. Recordemos aqui os nossos irmãos de Cuba, Guatemala e Haiti, afetados por recentes e intensos desastre naturais.
Enviamos a nossa sincera solidariedade, os nossos sentidos pêsames às famílias das vítimas e o desejo de um rápido regresso à vida normal e à certeza da reconstrução.
E damos as nossas calorosas boas-vindas ao Haiti e ao seu Presidente como país Observador Associado, e expressamos os melhores desejos de recuperação ao Presidente do meu país, José Mujica.
Os debates das Cortes de Cádiz mantêm a sua vigência e a sua vontade de liberdade e de justiça. Da América chegaram 63 deputados que se uniram aos peninsulares numa cidade sitiada, e demonstraram atividade e compromisso, postulados autonomistas e vontade de progresso e igualdade que rapidamente se refletiram nas Independências latino-americanas.
Um deles, José Mejía Lequerica, deputado por Nueva Granada, declarou que “os grandes, os indomáveis povos, aos maiores reveses, aos mais iminentes perigos, opõem a mais inteira constância, mais ousadas resoluções. Grande é a causa, Senhor, e não pode deixar de inspirar grandes ideias”.
Grande é a causa, Senhor Presidente da Colômbia, e estas palavras do seu conterrâneo incentivam a muito meritória procura da paz que o senhor empreendeu. O seu valor é o nosso valor, e o seu êxito será o de todos nós.
O governo espanhol fez bem em escolher esta cidade para a Cimeira, onde há 200 anos teve lugar o encontro de espanhóis e americanos, reunidos em pé de igualdade para terminar com o absolutismo e abrir as portas à soberania popular. Apesar dessas portas se terem fechado pouco depois na Europa, abriram-se na América para servir de apoio ao processo independentista e mais tarde a modernização e enriquecimento daqueles princípios constitucionais, incorporando novos direitos dos cidadãos e da natureza.
Tal como em 1812, volta a reunir-se aqui a Comunidade Ibero-americana. Naquele ano, os deputados reuniram-se com a convicção de que trabalhavam para um mundo em mudança. Reunimo-nos hoje aqui com uma convicção semelhante: o mundo está a mudar num processo cheio de incertezas, que exige lideranças inspiradas para assentar as bases de uma nova ordem internacional.
Hoje Espanha e Portugal atravessam uma aguda crise econômica com profundas repercussões sociais. Reiteramos a nossa solidariedade e apoio aos nobres povos espanhol e português. Pelo seu lado, os países americanos desta Comunidade vivem um período especial nas suas economias, que leva a pensar que esta poderia ser a década da América Latina.
Estas três dimensões do momento atual: as mudanças nas relações internacionais, a crise econômica dos países desenvolvidos e em especial dos da União Europeia e EUA, e a bonança latino-americana caracterizam o momento em que tem lugar esta Cimeira.
Esta percepção levou o governo espanhol a dedicar os nossos trabalhos, a discutir e identificar novas políticas de cooperação de acordo com os tempos que nos coube viver. A esses três momentos queria referir-me brevemente.
Sobre o momento atual da Comunidade Internacional
Em 2008 terminou um período de bonança econômica excepcional no mundo, e com ele a sensação de segurança e estabilidade perante o futuro. Parecia que o mundo podia tudo, que as engenharias financeiras poderiam sustentar qualquer endividamento dos setores públicos e privados.
A descontrolada expansão dos mercados financeiros conduziu à especulação, à perda de condutas éticas e à ganância desmesurada.
A crise iniciada nos setores financeiros não bancários dos Estados Unidos estendeu-se à Europa e daí para o resto do mundo. Contrariamente ao que aconteceu nos anos 30, desta vez, os Governos e os Bancos Centrais responderam aos problemas com diligência.
Todas as medidas de apoio financeiro, apesar de necessárias e dolorosas, não foram suficientes para reestabelecer a confiança a longo prazo dos agentes econômicos.
Hoje estamos num momento perigoso com reações lentas, escassa coordenação e falta de horizontes claros. Preocupam as visões encontradas sobre as soluções a tomar pelos dirigentes políticos e ainda mais as diferenças entre especialistas e economistas sobre o que há a fazer.
O futuro das economias desenvolvidas aparece assim aberto a todas as opções: desde uma retomada do crescimento, até uma entrada num processo severo de recessão econômica, ou um longo período de baixo crescimento nos grandes centros desenvolvidos do mundo.
Como sempre aconteceu no passado, a crise será superada. Mas essa superação não nos devolverá ao ponto de partida. Chegaremos a um novo mundo com outra economia baseada no conhecimento e na inovação; a outra sociedade, dominada por crescentes classes médias e com problemas próprios de uma sociedade informada que faz sentir os seus pedidos. E haverá um novo sistema de relações internacionais, com a aparição de novos atores, e um trânsito do poder econômico do Ocidente para Oriente como o mundo nunca conheceu. Encontrar renovados princípios de convivência obriga a reforçar o multilateralismo hoje em crise.
Antes de recompor os seus equilíbrios fundamentais, temo que a economia mundial se desenvolva na incerteza e na insegurança. Isso reclama mais do que nunca uma ação concertada a nível internacional de todos os países.
A projeção da crise internacional sobre os países ibéricos da nossa comunidade
Espanha e Portugal atravessam severos problemas econômicos, depois de terem alcançado nas últimas décadas um vigoroso desenvolvimento econômico e social. Estão a adotar duras medidas de ajustamento com elevados custos sociais, sobretudo em matéria de emprego, baixo nível de atividade e crescente endividamento do seu setor público. Essas medidas darão os seus frutos e já aparecem alguns sinais positivos na boa direção. Mas entretanto, o seu êxito está condicionado pelas medidas oportunas que os organismos internacionais adotam como o Banco Central Europeu, e as instituições comunitárias.
A América Latina atravessou duas décadas de dura crise econômica e severos programas de ajustes. Não são fáceis as comparações e ainda menos transplantar recomendações. Cada país e cada momento econômico são diferentes especialmente quando podem fazer-se desvalorizações da moeda. Mas é sempre útil rever a história.
Daquelas vivências latino-americanas ficam-nos algumas reflexões que podem ter algum interesse neste momento. Permitam-me recordar apenas três:
- No meio das turbulências sociais e políticas compreendemos que os ajuste as reformas são inevitáveis para corrigir os excessos das políticas monetárias do crédito fácil, dos desvios fiscais ou de taxas de câmbio irreais. O único aspecto positivo da crise é que ajudou a corrigir rumos, difíceis de mudar em momentos de euforia ou de expansão econômica.
- Em segundo lugar, uma inevitável austeridade prolongada no tempo demora a recuperação da confiança necessária para recompor a atividade econômica. Foi-nos interessante rever em cada caso os ritmos das correções fiscais e acompanhar os objetivos de austeridade com programas de estímulo à produção, através do apoio do crédito externo para financiar infraestruturas e dar crédito às empresas exportadoras, especialmente às PME.
- Em terceiro lugar, a experiência demonstrou-nos que a cooperação dos organismos internacionais deve acontecer e ativar-se em tempo útil. O seu adiamento no tempo não contribui para o restauro da confiança dos atores econômicos e emite sinais confusos aos mercados. Bem gostaríamos de contar naqueles momentos com a flexibilidade que hoje mostra o Fundo Monetário Internacional em algumas situações.
Ao mesmo tempo que aprendemos que nestes casos é preciso reconhecer os erros do passado para não os repetir, é igualmente urgente ativar os mecanismos de solidariedade regional e cooperação internacional para acelerar a recuperação e reduzir os custos sociais, sobretudo o desemprego. Acredito sinceramente que ambos os mecanismos ainda não mostraram todo o seu potencial.
A conjuntura econômica na América Latina
Pelo seu lado, os países latino-americanos atravessam uma década de bonança, refletida em altas taxas de crescimento, baixa inflação, acumulação de reservas, redução da dívida externa e o dinamismo e diversificação do seu comércio exterior, como é bem conhecido. A isso juntam-se melhoramentos de tipo social, em especial a forte queda da pobreza e o lento melhoramento dos indicadores de igualdade.
Após estas conquistas, após uma geração de baixo crescimento e elevado endividamento, devem-se reconhecer as duras lições de muitos erros e acertos nas últimas décadas, e o êxito de políticas de diversificação das economias e modelos e políticas de desenvolvimento social implementadas com assinalado êxito nas taxas de crescimento e ganhos sociais.
Esta conjuntura, não obstante, está exposta aos desafios. Um, que escapa ao controlo dos países latino-americanos, e outro que depende da sua capacidade de instrumentar políticas internas adequadas.
No primeiro nível está a conjuntura econômica internacional. A América Latina não pode permanecer imune à situação dos mercados internacionais. A região pode defender-se bem dos primeiros impactos em 2007 e 2008, mas a continuação do baixo crescimento nos países desenvolvidos e o seu impacto no crescimento do comércio exterior das economias emergentes, como a China, terá impacto sobre as economias latino-americanas. Já o estamos a viver quando a abundante liquidez emitida pelos países centrais sobrevaloriza as nossas taxas de câmbio e reduz a nossa competitividade internacional, ou quando as nossas exportações se reduzem pela queda do comércio mundial.
O outro condicionante que podemos controlar são as respostas de modernização e diversificação produtiva das economias latino-americanas, tais como uma reforma educativa a favor da universalização e a qualidade ou as políticas da produtividade e da competitividade, através de um maior investimento em infraestrutura ou em desenvolvimento tecnológico e inovação. Estas reformas, potenciadas por políticas de integração e complementação dentro do crescente mercado econômico regional, permitirão alcançar os níveis de melhoramento social e igualdade tão longamente esperados na região.
Daqui poder-se-ia concluir que é preciso modernizar e rever diferentes modelos de desenvolvimento econômico para amortizar os impactos da conjuntura internacional, conseguir maiores níveis de produtividade e crescimento, e continuar a melhorar os indicadores sociais de pobreza e igualdade. O apuramento no balanço de pagamento ajuda a colocar em funcionamento estas reformas.
A atualização das políticas de cooperação ibero-americana
Nesta conjuntura, é pertinente perguntar que rumo deverá tomar a cooperação ibero-americana. Surgiram duas perguntas ao longo deste ano de preparação da Cimeira por parte de diferentes reuniões Ministeriais e seminários técnicos:
Que podem e devem esperar de uma renovada cooperação ibero-americana Espanha e Portugal, que atravessam uma fase de crise econômica e social?
Que podem e devem esperar de uma renovada cooperação ibero-americana os países latino-americanos da nossa Comunidade para contribuir para dinamizar os objetivos econômicos e sociais dos seus respectivos modelos de desenvolvimento?
É bom insistir que cada país tem o seu modelo de desenvolvimento com características próprias e que em ambos os lados do Atlântico implementou políticas de cooperação regional muito ativas com o surgimento da América Latina de um vigoroso regionalismo.
Os países latino-americanos estão a fazê-lo com a criação de instituições de cooperação política e econômica, como UNASUR e CELAC, que abrem dinâmicas possibilidades ao seu desenvolvimento.
Estes esforços devem ser potenciados e apoiados pela nova orientação da cooperação ibero-americana.
As expectativas dos países europeus da Comunidade Ibero-americana
Espanha e Portugal têm na relação ibero-americana um ponto essencial para estimular o seu crescimento econômico: o investimento das empresas de ambos os países na região latino americana nas últimas décadas.
Uma renovação da cooperação poderia significar:
a) Uma maior expansão das suas exportações para um mercado regional latino-americano que já chega aos 6 triliões de dólares, cerca de 5 biliões de euros.
b) Um maior campo para a expansão dos investimentos empresariais já existentes na América Latina, com um terreno e posição ganhas que lhes sirva de apoio para os seus balanços na Península Ibérica em momento de baixo crescimento.
c) Um mercado potencial para a instalação de novas empresas em áreas onde a América Latina tem uma crescente procura: investimentos em infraestrutura, na exploração dos seus abundantes e variados recursos naturais, em serviços de qualidade, em novas tecnologias, ou economias verdes, entre outras.
d) Um mercado latino-americano crescente, aberto a outras regiões do mundo através de acordos de associação e de comércio livre, especialmente prometedor, como os mercados asiáticos.
e) A associação e complementação de pequenas e médias empresas de ambas as regiões, e a sua incorporação nas cadeias de valor das grandes empresas espanholas e portuguesas, como já está a acontecer em muitos casos.
f) Por fim, a criação por atores privados de mecanismos de arbitragem comercial que facilitem às referidas empresas um mecanismo ágil e eficaz para solucionar eventuais conflitos.
g) Queria alertar, mais uma vez, sobre os perigos que uma crise internacional prolongada nos grandes centros desenvolvidos pode aumentar ainda mais as tendências protecionistas que, lamentavelmente, não conseguiu superar o encontro de Doha imobilizada.
As expetativas de uma renovada cooperação ibero-americana dos países ibero-americanos
Os países latino-americanos, pelo seu lado, devem realizar reformas fundamentais para uma maior diversificação e qualidade do seu sistema produtivo, que, por sua vez, permita acelerar grandes objetivos sociais como a redução da pobreza e o melhoramento da igualdade. Os países latino-americanos estão condenados a fortalecer as suas políticas de industrialização, fonte de empregos de qualidade e de diversificação produtiva. A cooperação ibero-americana deve apoiar estes esforços em alguns pontos, como os seguintes:
a) A procura de uma educação de qualidade como a implementação das Metas 20-21, aprovadas na Cimeira de Mar del Plata de 2010.
b) O estímulo à circulação de recursos humanos qualificados dentro do Espaço Ibero-americano.
c) A Cooperação entre institutos de investigação tecnológicas dos países ibero-americanos.
d) O apoio ao empreendimento, especialmente juvenil, nas áreas de inovação tecnológica.
e) O estímulo ao desenvolvimento das PME latino-americanas em associação com empresas ibero-americanas, e, em particular, o estímulo à sua internacionalização.
f) O aprofundamento do espaço cultural ibero-americano, sinal da nossa identidade e ativo de grande valor econômico.
Em conclusão
Trata-se, em definitivo, de criar um dia a dia melhor para as pessoas, de uma cooperação centrada nas pessoas.
- É criar laços que deem confiança nos atos políticos e econômicos que ajudem a garantir o futuro de várias gerações.
- É acreditar nas nossas possibilidades, das possibilidades de uma região cheia de oportunidades.
- É renovar um vigoroso espaço de diálogo com novas formas de cooperação e aprendizagem compartilhadas.
- É dar mais voz aos setores sociais e econômicos para juntar-se aos grandes objetivos que hoje perseguem os países desta Comunidade de Nações. Para isso devemos contar com a participação das redes sociais de opinião públicas, as quais estamos já a consultar.
A Comunidade Ibero-americana propôs-se desde o início das suas atividades a projetar-se no mundo com posições concertadas. Este objetivo é mais válido hoje do que nos momentos em que foi constituída aquela Comunidade.
Porque preocupam as turbulências econômicas, políticas e sociais que hoje agitam o mundo e comprometem a sua paz e a sua estabilidade, e porque continuar a construir o progresso de todos deve ser um motivo de compromisso para os países ibero-americanos.
No mundo de hoje há, não só uma ansiedade de estabilidade e progresso social, mas também uma crescente sede de valores éticos com os quais devemos avançar no futuro da humanidade.
Creio que, sem desconhecer cada identidade nacional, a Comunidade ibero-americana deve acordar posições baseadas em valores muito queridos pelas nossas sociedades, e que contribuam para melhorar a governabilidade no mundo.
Era isso que perseguia um ibero-americano excepcional que perdemos este ano, Carlos Fuentes. Num texto preparado para a Secretaria de Relações Exteriores do México, por ocasião da I Cimeira Ibero-americana de Guadalajara, em 1991, escreveu:
“A Ibero-América pode participar com maior segurança do que muitas outras regiões do mundo numa ordem econômica planetária e sem sacrifício da sua variedade cultural…. A nossa tradição jurídica serviu-nos para contribuir para uma maior vida de relação na América e no mundo, através da negociação diplomática e da imaginação política, com o escudo do direito e a adesão à lei e aos Tratados que assinámos livremente”.
Na tomada de consciência destes fatos, e na sua tradução em medidas práticas e concretas repousará o êxito deste encontro, a sua percepção pelos seus dirigentes, e pela opinião pública em geral.
Muito obrigado.
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