A resiliência do tecido empresarial latino-americano é crucial para sair fortalecidos desta crise

O impacto da crise do Coronavírus foi muito duro para as companhias latino-americanas e, em particular, para as micro, pequenas e medianas empresas (Mip&mes), que representam nada menos que 97% de nosso tecido produtivo e 67% de nossos empregos.

Coluna originalmente escrita para o jornal El Colombiano, 16/10/2020

O impacto da crise do Coronavírus foi muito duro para as companhias latino-americanas e, em particular, para as micro, pequenas e medianas empresas (Mip&mes), que representam nada menos que 97% de nosso tecido produtivo e 67% de nossos empregos.

A América Latina se encontra atualmente no epicentro da pandemia, não só em ternos sanitários, senão também sociais e econômicos. De cada duas mortes por Coronavírus no mundo, uma é latino-americana. Segundo o Fundo Monetário Internacional, espera-se que nossa região sofra uma contração de 9,4% em 2020, a pior recessão da que se tenha tido registro. E a CEPAL projeta um aumento de 45 milhões de pessoas nos índices de pobreza, dos quais 28 milhões cairão na pobreza extrema, o que significa fome em muitas famílias da região.

O que fazer perante este cenário tão dramático? Além de apoiar os grupos mais vulneráveis da população, sem dúvida, a recuperação de nossas economias dependerá de quanto consigamos proteger o tecido empresarial e o emprego.

Especialmente dependerá do tamanho e da qualidade do respaldo que possamos dar às Mip&mes através de medidas econômicas que lhes permitam sobreviver nos meses mais duros desta crise.

Uma pesquisa realizada pela consultora Nauta a mais de 4.000 empresas latino-americanas indica que 87% já viu reduzidas suas vendas e 37% teve de recortar seu quadro de empregados, enquanto 27% teme não sobreviver a mais de um mês sem ingressos.

Até agora, os principais apoios que os países da América Latina deram às empresas –com distintas variantes– consistiram em outorgar créditos com avais do Estado, apoiar o pagamento dos salários ou oferecer apoios diretos a Mip&mes e empreendimentos informais.

No entanto, o montante e a agilidade destas medidas não foram suficientes. Por um lado, muitas Mip&mes, ainda tendo acesso a créditos preferenciais, optaram por não os tomar a fim de não se endividarem mais. Por outro lado, para continuar a médio prazo o apoio ao pagamento de salários ou os apoios diretos a empreendimentos informais fazem falta quantidades de dinheiro que não temos. A menos que possamos conseguir um financiamento externo suficiente.

Além disso, os programas de apoio para transformar os modelos de negócios da Mip&mes em um mundo mais digitalizado são lentos e ainda não têm a escala requerida. E, por último, como não é fácil chegar a todos os que o necessitam, muitos ficam excluídos dos apoios oferecidos, em particular, o setor informal da economia que representa, em média, 54% de nossa força laboral.

Em qualquer caso, deve ser uma prioridade macroeconômica que façamos tudo o que for possível para conseguir que a maior quantidade de empresas sobrevivam a este shock externo, alinhando medidas de urgência com aquelas necessárias para a reconstrução futura. Só assim podemos evitar a histerese: o risco de que problemas de curto prazo evoluam a problemas estruturais. Menos empresas são menos empregos, menos ingressos, menos consumo e menos crescimento.

Por isso, os países da região que mais se recuperarão em 2021 são aqueles nos quais mais profundamente tenha incursionado o Estado, tanto no apoio ao tecido empresarial como na proteção do emprego e dos grupos vulneráveis.

Como resultado, estamos perante uma oportunidade histórica de retomar um diálogo social construtivo, responsável e renovado. Um futuro pós COVID mais próspero, mais sustentável e mais inclusivo só será possível se os atores sociais e empresariais se encontrarem em um diálogo propositivo e não defensivo, desde o qual seja possível projetar, negociar e acordar os parâmetros de um novo contrato social.

Tal possibilidade depende da qualidade das lideranças de todos os setores da sociedade. Principalmente, da capacidade de construir confiança entre nós e em nós. A pandemia nos fez revalorizar o papel do Estado, mas também a importância do que é público, entendendo este conceito como o que emana desde uma responsabilidade compartilhada e cristaliza naquilo que construímos juntos para o bem comum.

Talvez a própria gravidade da crise permita que quebremos os silos e a desconfiança, que mudemos o diálogo entre o setor privado, a sociedade, e o Estado, que promova a participação responsável das empresas, da cidadania e do Governo na construção de um projeto de futuro com visão de longo prazo, ou que aposte pela inovação, pelas novas ideias, por novos mercados, pela nova economia, aproveitando as características estruturais positivas da América Latina: uma sociedade altamente digitalizada, uma geração de jovens educados, uma grande riqueza de recursos naturais e um grande talento de nossa gente.

Tenho certeza de que, se aproveitarmos as oportunidades que, paradoxalmente surgiram desta crise, e se o fizermos no marco de um novo contrato social, poderemos assegurar um futuro mais inovador, mais produtivo e resiliente.

Veja todos os assuntos