Crescer com equidade, artículo da Secretária-Geral Ibero-americana

A história da América Latina desde o início deste século é uma história de apogeu econômico e social. Apesar de ser complicado falar da região como uma só, uma vez que é diversa e heterogênea, podemos dizer que…

A história da América Latina desde o início deste século é uma história de apogeu econômico e social. Apesar de ser complicado falar da região como uma só, uma vez que é diversa e heterogênea, podemos dizer que em geral o bom desempenho macroeconômico deve-se a uma gestão prudente do défice fiscal, da inflação e das políticas monetária e cambiária, juntamente com uma crescente procura e altos preços das matérias primas e dos alimentos. Durante estes anos, o rendimento per capita regional cresceu pouco mais de 37%[1] e os Governos da região destinaram um volume crescente e progressivo das despesas aos setores sociais, que alcançou 20% do produto interno bruto em 2013[2]. Este volume de despesa permitiu levar a cabo programas de pensões não contributivas para a população carente de proteção para a reforma, e de transferências em dinheiro para as populações mais pobres orientadas para a educação e a saúde, que beneficiaram cerca de 130 milhões de latino-americanos[3] – quer dizer, 24% da população regional. Este cenário permitiu à América Latina conseguir melhorias sociais sem precedentes. A desigualdade reduziu para uma taxa média anual próxima de 1%[4]; mais de 60 milhões de latino-americanos abandonaram a pobreza e quase 85 milhões juntaram-se À denominada classe média[5].

O ambiente que a região hoje enfrenta é notoriamente diferente e apresenta novos desafios para a consolidação deste apogeu econômico e social. O decréscimo da procura externa e da atividade na China, assim como a diminuição dos preços de matérias primas afetaram as taxas de crescimento econômico que, em média, são hoje apenas superiores a 1%[6], em amplo contraste com a taxa média anual de 4% observada entre 2003 e 2013[7]. A bonança econômica da região desacelerou, apesar de se dever sublinhar que alguns países mantêm ainda taxas de crescimento mais próximas aos 4%.

A tendência positiva de alguns indicadores sociais também se atenuou e, em alguns casos, retrocedeu. Um estudo recente da CEPAL mostrou que a pobreza tinha aumentado em 2 milhões de pessoas até 2014[8]  e o Banco Mundial sugeriu que a redução da desigualdade parou desde 2010, indicando que as políticas para a redução da pobreza e da desigualdade, até hoje bem sucedidas, podem estar a demonstrar sinais de esgotamento.

Este contexto acentua os desafios que a América Latina enfrenta para consolidar a longo prazo o desenvolvimento alcançado e promover a coesão social. As justas e crescentes exigências sociais e políticas em toda a região exigem sistemas de proteção social melhores, o fornecimento de serviços públicos de qualidade, oportunidades de trabalho decente e uma maior segurança nas ruas, juntamente com uma maior prestação de contas, maior participação política e acesso imparcial à justiça.

Neste cenário, o desafio fundamental consiste em melhorar as oportunidades de trabalho e fazer uma verdadeira revolução da produtividade, diversificando a matriz produtiva, promovendo o empreendimento e a inovação, melhorando a qualidade da educação e tornando coerente a oferta de capital humano com as oportunidades de emprego.

Consolidar o desenvolvimento requererá abordar as carências existentes através de uma nova geração de políticas públicas. Por um lado, temos de aproveitar a revolução do conhecimento através do investimento em educação, ciência e tecnologia, necessária para aumentar a produtividade – o motor atrás do círculo virtuoso de crescimento sustentável, desenvolvimento e equidade -. Por outro lado, necessitamos de fortalecer a capacidade institucional do Estado para avançar em políticas sociais e laborais que reduzam a informalidade, integrem as pequenas e médias empresas na corrente mais dinâmica da economia e criem políticas fiscais que garantam a disponibilidade de rendimentos para que a revolução produtiva encontre um equilíbrio entre o Estado e o mercado.

Estou convencida de que a aposta da América Latina a médio e longo prazo será continuar a reduzir a pobreza e a desigualdade aproveitando o talento dos seus cidadãos, especialmente da geração de jovens mais qualificada de sempre que a região alguma vez teve.

Não haverá uma fórmula igual para todos, como dissemos antes, a América Latina caracteriza-se pela sua enorme diversidade nos aspetos econômico, social e institucional – e neste espaço tão rico e tão plural cada país saberá encontrar a fórmula adequada e própria para responder às legítimas aspirações dos seus homens e mulheres -.

Sei que a América Latina é capaz de enfrentar estes desafios com êxito e estou convencida também de que a partir do espaço ibero-americano em que apostamos na coesão social, na cultura, na educação e na inovação, podemos fazer uma real contribuição para tal.

Artículo da Secretaria-Geral Ibero-americana, Rebeca Grynspan, publicado o sábado 11 de abril de 2015 em El Pais.


[1] 1 O rendimento per capita regional passou de 10.000 dólares nos anos noventa a pouco mais de 14.000 em 2013, com dados do Banco Mundial.

[2] 2 A despesa social na região, como percentagem do PIB, cresceu de 15% para 20% entre 1995 e 2013, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

[3] Stampini, M. e L. Tornarolli (2012). The Growth of Conditional Cash Transfers in Latin America and the Caribbean: Did They Go Too Far?

[4] Lusting, N., L.F. López-Calva y E. Ortiz Juárez (2013). Deconstructing the decline in inequality in Latin America.

[5] Dados do Centro de Estudos Distributivos, Laborais e Sociais (CEDLAS).

[6] Números e projeções do Fundo Monetário Internacional.

[7] Os dados procedem dos indicadores de desenvolvimento mundial publicados pelo Banco Mundial.

[8] CEPAL (2014) Panorama social da América Latina. Nações Unidas

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