Digitalização que cruza oceanos: a Cooperação Triangular que impulsiona a transformação em uma pequena ilha africana

Argentina, São Tomé e Portugal dão início a um projeto de Cooperação Triangular para a transformação digital da ilha africana. A iniciativa é possível graças a um fundo impulsionado por Portugal e gerido pela SEGIB.

Na ilha do Príncipe, um paraíso tropical no Golfo da Guiné (África), o mar envolve tudo com uma calma ancestral. No entanto, por trás desse cartão-postal idílico surge uma necessidade urgente: a transformação digital. Em um país onde quase todos os cidadãos possuem um telefone celular, o verdadeiro desafio é fazer com que esses dispositivos se tornem portas de acesso à educação, ao trabalho, à medicina e a uma vida melhor.

Para enfrentar esse desafio foi promovido um projeto de Cooperação Triangular entre Portugal, Argentina e o Governo Autônomo de Príncipe (GAP). Essa iniciativa foi impulsionada pelo fundo financiado pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua I.P. e gerido pela Secretaria-Geral Ibero-Americana (SEGIB), com o objetivo de estreitar a colaboração entre a América Latina e a África.

 

Um espelho no sul

A inspiração para realizar essa iniciativa de cooperação veio de 6.000 quilômetros ao sul, no extremo oposto do Atlântico. A Argentina, um país com uma história digital recente, passou de trâmites em papel a assinaturas digitais e expedientes eletrônicos em menos de dois anos.

No entanto, esse avanço também expôs desigualdades, especialmente no norte do país. Para reduzir essa lacuna, foram criados os Pontos Digitais: espaços com internet de qualidade, computadores e formação em habilidades digitais. Hoje existem mais de 500 em todo o país.

“Na Argentina há experiências muito bonitas em províncias como Corrientes ou Chaco, Formosa, que são províncias pobres, onde crianças ou jovens, simplesmente tendo acesso à internet, fizeram todos os cursos de programação e agora estão trabalhando para os Estados Unidos, para o Canadá”, afirma desde São Tomé, María José Martelo, consultora internacional de transformação digital na Fundação País Abierto Digital (PAD), uma das parceiras deste projeto de Cooperação Triangular liderado pelo Instituto para a Promoção da América Latina e do Caribe (IPDAL).

O projeto de cooperação proposto busca transferir a experiência da Argentina para o Príncipe, uma ilha com apenas 8.000 habitantes. Apesar do entusiasmo, o desafio é complexo: a infraestrutura básica é limitada e a eletricidade nem sempre é estável. Em muitos lugares, a escola continua sendo o único espaço educativo, e nem todos os professores estão preparados para ensinar tecnologia.

“Percorremos São Tomé e a Ilha do Príncipe, e vimos um grande potencial. Todos os cidadãos têm um celular, mas o que falta é o acesso a aplicativos e o uso da tecnologia para trabalhar ou estudar. O que essa iniciativa busca é estabelecer um diálogo constante para poder perceber as necessidades e os desafios que as diferentes instituições estão enfrentando em seu processo de digitalização e poder ajudá-las a encontrar soluções concretas que tenham um verdadeiro impacto para a população”, afirma Gastón Ocampo, Secretário Técnico do IPDAL.

Para Sesneica Fernandes Leal, Presidenta do Conselho de Administração da Autoridade Geral de Regulação de São Tomé e Príncipe (AGER), o diferencial desse projeto é que ele propõe uma intervenção direta com as entidades locais, adaptando as soluções à realidade do país.

 

Do turismo à telemedicina: quatro apostas possíveis

Durante sua visita ao arquipélago, a equipe identificou quatro projetos-chave para impulsionar a transformação digital de Príncipe.

A primeira tem relação com o turismo, um setor-chave para a economia local. O estudo, ainda em andamento, propõe digitalizar a cobrança de taxas municipais, ter dados em tempo real sobre quem visita, de onde vêm, como se movimentam os turistas, com o objetivo de desenhar melhores políticas públicas e oferecer melhores serviços.

O segundo eixo é a telemedicina, já que em uma ilha onde há escassez de especialistas e os deslocamentos são complexos, poder acessar uma consulta médica virtual poderia melhorar consideravelmente a qualidade de vida da população.

Os outros dois eixos se concentram na formação. Por um lado, as salas de aula digitais nas escolas; por outro, centros de capacitação para adultos. Em ambos os casos, o objetivo é o mesmo: empoderar a população com ferramentas para se conectar com o mundo do trabalho. “Sabemos que nem todos vão trabalhar para o Vale do Silício, mas se 5 ou 10% conseguirem, já estamos fazendo uma mudança estrutural”, resume Martelo.

 

Um fundo de um milhão de euros para impulsionar a Cooperação Triangular entre a Ibero-América e a África

O projeto é uma das seis iniciativas impulsionadas pelo Fundo de Cooperação Triangular Portugal, América Latina e África, dotado de um milhão de euros e que envolve 30 instituições espalhadas pela Ibero-América e África lusófona.

“Na SEGIB vamos incorporar os aprendizados que tivemos em São Tomé para promover uma maior Cooperação Triangular dentro da nossa região ibero-americana e, além disso, com outras regiões em desenvolvimento, potencializando o fortalecimento de capacidades e reduzindo lacunas no desenvolvimento dos países”, afirma Martín Rivero, Coordenador da Área de Coesão Social e Cooperação Sul-Sul da SEGIB.

Além do projeto do cacau, com o apoio do Fundo também foi impulsionada em São Tomé e Príncipe uma iniciativa para melhorar a bioagrobiodiversidade e a resiliência climática do cacau.

“Os dois projetos vão nos permitir promover intercâmbio de conhecimento com outros países e impulsionar a cooperação entre São Tomé e Príncipe e os países ibero-americanos. A Cooperação Sul-Sul e Triangular é importante porque faz com que os países se unam para ajudar”, destaca a Ministra dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Comunidades de São Tomé e Príncipe, Ilza Amado Vaz.

“De Portugal, estamos certos de que os resultados dos projetos de cooperação serão muito positivos e beneficiarão o país. Tanto o impulso ao setor agrícola quanto à digitalização são fundamentais para o crescimento econômico do arquipélago”, afirmou o Embaixador de Portugal em São Tomé e Príncipe, Luís Leandro da Silva.

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