Ante uma nova Cúpula Ibero-Americana: o papel do Rei

Por Enrique V. Iglesias
Secretário-Geral Ibero-Americano
 
Juan Carlos I é o único mandatário que assistiu a todas as Cúpulas Ibero-Americanas de Chefes de Estado e de Governo desde que, pela primeira vez na história, em 1991, reuniram-se os máximos representantes da Comunidade Ibero-Americana de Nações na cidade…

Por Enrique V. Iglesias
Secretário-Geral Ibero-Americano
 
Juan Carlos I é o único mandatário que assistiu a todas as Cúpulas Ibero-Americanas de Chefes de Estado e de Governo desde que, pela primeira vez na história, em 1991, reuniram-se os máximos representantes da Comunidade Ibero-Americana de Nações na cidade mexicana de Guadalajara.
 
Por trás desta constatação objetiva se encontram substanciais razões de fundo. O fim da Guerra Fria facilitou o acesso a sistemas democráticos de muitas sociedades ibero-americanas que viviam sob regimes ditatoriais ou autoritários.
 
Os inconvenientes estruturais que tinham vindo impedindo tradicionalmente a articulação coerente, democrática, solidária e igualitária de um espaço ibero-americano desapareceram, em termos históricos, de maneira praticamente coletânea.
 
Já era possível, sem tutelas ou aquiescências de diversa origem, pensar e fazer efetivos marcos concretos de vinculação multilateral orientados à promoção do acordo político e diplomático e à cooperação entre os países ibero-americanos.
 
A quase total sintonia democrática dos nossos países fazia que, antes de mais nada, pudessem reconhecer-se em seus princípios e valores compartilhados.
 
Juan Carlos de Borbón, que contribuía com uma básica e fundamental convicção democrática, resultou ser o motor histórico adequado no caminho da Espanha à uma democracia plena.
 
A transição democrática espanhola, qualificada por amplos setores acadêmicos e sociais como modelo, começou a ser vista como exemplo a seguir pelos países ibero-americanos que se viam a si mesmos em similares conjunturas políticas e históricas.
 
O Rei de uma nação irmã e européia representava em Ibero-América já, antes que nada, um símbolo de compromisso democrático, de liberdade, e de amizade.
 
Em mais de uma ocasião, sua presença serviu de apoio à recuperação democrática dos países da região.
 
É neste contexto histórico quando, em grande parte por inspiração do Rei e com o seu impulso e apoio, põe-se em marcha o projeto de articular sobre a base das afinidades históricas, lingüísticas, culturais, de crescentes interesses econômicos e fluxos migratórios, e a partir dos princípios irrenunciáveis do Estado de Direito, uma Comunidade Ibero-Americana de Nações.
 
Um espaço no qual tivessem cabida os países de línguas espanhola e portuguesa da América e Europa, e que encontraria sua máxima expressão política e diplomática multilateral na Conferência Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo que, desde 1991, vem reunindo-se com periodicidade anual.
 
As Cúpulas Ibero-Americanas são de grande importância para a consecução do melhor acordo político-diplomático entre nossas sociedades e para o desenvolvimento de uma coerente, solidária e fortalecida cooperação.
 
A Comunidade Ibero-Americana, articulada em torno a um sistema de Cúpulas e de múltiplos esquemas de cooperação e acordo, responde a uma vontade de composição atualizada de um espaço político que, enraizado num passado compartilhado, aspira a devir uma autêntica Comunidade natural e lingüística, com absoluto respeito às variadas identidades nacionais e suas respectivas diversidades.
 
Foi uma sorte que uma das personalidades fundamentais que impulsionou a articulação democrática e solidária de tal espaço tenha sido Don Juan Carlos. A Coroa da Espanha passou a ser, deste modo, uma instituição ibero-americana.
 
Por sua vez, o Príncipe de Asturias leva anos adentrando-se no conhecimento profundo da realidade dos nossos vinte e dois países, assiste à possessão dos Presidentes ibero-americanos e toma contato em cada ocasião possível com a realidade e as aspirações de nossa região.
 
A dimensão ibero-americana, nos seus múltiplos aspectos, constitui um pilar essencial da projeção internacional dos nossos países, do seu próprio ser histórico e nacional.
 
Faz dois anos, em 2005, coincidindo precisamente com o trigésimo aniversário da proclamação do Rei Juan Carlos, a Cúpula Ibero-Americana de Salamanca, que pôs em marcha a Secretaria-Geral Ibero-Americana, supôs um claro momento de renovação para o impulso de uma Comunidade Ibero-Americana coesa e presente no mundo.
 
Um ano depois, os máximos mandatários encontraram novamente, esta vez em Montevidéu (Uruguai), para, no contexto da XVI Cúpula Ibero-Americana e entre diversos assuntos, constatar que estamos unidos, amém de muitos outros fatores, pelas migrações e o desenvolvimento.
 
Das dezesseis Cúpulas Ibero-Americanas às que assisti conservo abundantes e entranháveis lembranças de como os Reis da Espanha, com a sua cordial atitude, simpatia, profissionalismo e firme vontade de que as coisas saiam adiante, colaboraram no avanço deste conceito de solidariedade, igualdade e desenvolvimento que é o projeto ibero-americano.
 
Em novembro terá lugar em Santiago do Chile a próxima Cúpula, a 17º, que estará dedicada ao importante tema da coesão social, tratada a em suas múltiplas dimensões: educação, reforma fiscal, políticas sociais ou promoção das comunidades indígenas e afro-descendentes. São estes temas e políticas de proximidade aos cidadãos que nos tentam um futuro melhor como indivíduos e como povos.
 
O Rei, como “navio insígnia da Comunidade Ibero-Americana”, em expressão do ex- Presidente uruguaio Julio María Sanguinetti, prestará, um ano mais, um serviço de entrega, apoio e confiança à Comunidade Ibero-Americana de Nações, da qual Espanha é parte.
 
É de justiça expressar nosso reconhecimento, e nossa gratidão, por esta tarefa iludida.
(Publicado no jornal El PAIS -Espanha- 12 de outubro de 2007)

 

 

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